quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Maconha terapêutica

Por: Jornal Correio Braziliense, DF
Data: 12/12/2005
Psiquiatras defendem o uso da droga para tratamento de doenças como Aids, câncer e esclerose múltipla e querem autorização para produzir medicamentos no país. Mas alertam que fumar a substância é prejudicialPor Hércules Barros Os psiquiatras brasileiros estão interessados na maconha. Não se trata de discussão ideológica, política ou cultural, mas o uso medicinal da cannabis sativa — nome científico da planta. Especialistas em dependência química afirmam que os efeitos da maconha no cérebro são benéficos para portadores de doenças como Aids, câncer e esclerose múltipla e querem transformar a maconha em remédio. A proposta de é dos profissionais de saúde ligados à Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). A idéia é amenizar as dores e efeitos colaterais dos medicamentos de combate a essas doenças. De acordo com os psiquiatras, o tratamento com cannabis ajudaria a aumentar o apetite de pacientes com Aids e a diminuir as náuseas e vômitos em pessoas submetidos à quimioterapia, por exemplo. “Traria uma melhor qualidade de vida, com menos enjôos”, explica o psiquiatra João Carlos Dias, diretor da ABP. Mas engana-se quem pensa que, para os especialistas, fumar maconha é a solução. Pelo contrário, os médicos advertem que o uso terapêutico a partir do fumo faz mal. Principalmente para os portadores de HIV/Aids. “A maconha em forma de cigarro é tão cancerígena quanto o tabaco”, esclarece o psiquiatra. Segundo o médico, nunca se sabe o que é misturado à droga ilícita. “Geralmente está contaminada por fungos e bactérias e os pacientes com Aids são extremamente vulneráveis a infecções pulmonares e tumores”, diz. Embora já se tenha conhecimento das vantagens medicinais da maconha, a possibilidade de ela chegar às prateleiras das farmácias está longe. Os especialistas admitem a necessidade de controle para evitar que uma possível prescrição médica se torne um dor de cabeça para a saúde pública no futuro. “A heroína foi sintetizada por um laboratório alemão na década de 30 para substituir a morfina, que causa dependência. Deu no que deu”, conta o psiquiatra. Dias ressalta, no entanto, que isso não é motivo para se vetar pesquisas do uso terapêutico da maconha. “A morfina é derivada do ópio extraído da papoula”, lembra. O excesso de cuidado não é apenas um zelo. A possibilidade de uso medicinal da maconha está ligada ao delta9-tetrahidrocanabinol (THC), responsável pelo “barato” da maconha. “As substâncias medicinais da planta em estudo são conhecidas como canabinóides” ensina o professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira. PermissãoPor enquanto, a intenção dos médicos é chamar a atenção do governo brasileiro para a permissão de pesquisas com a maconha para se chegar a medicamentos industrializados. Mas o professor Laranjeira não descarta a possibilidade de ir além. “A medicina vive na contradição. Se da maconha sair a cura para alguma doença ninguém vai se opor. Todo mundo é a favor de novos remédios”, defende o psiquiatra. Estudos preliminares do Laboratório Interdisciplinar de Neuro-Imagem e Cognição da Unifesp apontam déficit permanente na memória de pessoas que fazem uso crônico da maconha fumada. A constatação se deu a partir da avaliação estrutural do cérebro de pacientes dependentes da droga. “Estudamos essas pessoas para analisar os problemas cognitivos e a possibilidade de alteração da memória”, afirma o psiquiatra Rodrigo Bressan, coordenador do laboratório da Unifesp. De acordo com dados da Associação Médica Brasileira confirmam os efeitos maléficos da fumaça da cannabis. A droga contém aproximadamente 420 substâncias. Algumas delas altamente tóxicas como monóxido de carbono, acetaldeído, naftalina, fenol e creosol. A inalação também não escapa dos danos adicionais dos agrotóxicos. Para Bressan, fumar maconha para se beneficiar dos canabinóides não é a solução. A fumaça da maconha provoca uma rápida elevação e queda de THC no sangue o que, segundo o especialista, diminui a eficiência da droga fumada. “A administração oral com o uso de comprimidos e formulações líquidas seria melhor solução”, afirma o psiquiatra. O número420 é o número de substâncias que contém um cigarro de maconha Testes em outros paísesA adoção terapêutica da maconha a partir de cigarros da droga é adotada em alguns países, mas os médicos brasileiros são reticentes quanto a adoção no país do procedimento. No Brasil, médicos discutiram os efeitos da maconha no cérebro relacionada à saúde, mas evitaram o debate sobre a legalização. O tema foi abordado durante o 23º Congresso Brasileiro de Psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). A literatura científica internacional apresenta trabalhos bem-sucedidos contra doenças como glaucoma, epilepsia, insônia, ansiedade, depressão, asma, mas o combate à náusea em conseqüência de sessão de quimioterapia é o caso mais aceito mundialmente. Segundo o diretor da ABP, João Carlos Dias, a Inglaterra também desenvolve estudos com o princípios ativos da maconha. O Canadá vai além, a planta é produzida em condições hidropônicas, sem agrotóxicos. O processo é o mesmo de plantações de alface cultivado só com água, e diminui o risco de contaminação. “Eles até distribuem”, acrescenta. Na Itália, pacientes que precisam de canibais para fins terapêuticos é permitido plantar a droga para consumo próprio. Na Alemanha, a nabilona — derivado sintético do THC, princípio ativo da maconha — pode ser importado para prescrição médica. Até agosto de 1997, era permitido aos médicos holandeses (de forma não oficial) prescrever maconha para os pacientes. Depois dessa data, a indicação terapêutica foi vetada, embora a droga esteja disponível nos “coffee shops” do país. Apesar das experiências de uso medicinal da droga em algumas localidades, na maioria dos países europeus a maconha permanece ilegal, mesmo para fins terapêuticos. Sem punições De acordo com o diretor da ABP, o uso da terapia fumada da maconha é aceito na Califórnia, nos Estados Unidos, mesmo sem uma regulamentação clara. “Isso se outros medicamentos não tiverem efeito”, explica. Uma lei estadual da Califórnia de 1996 eliminou punições para as pessoas que plantam pequenas quantidades da planta para uso medicinal, sob supervisão de um médico. No mesmo ano, o estado do Arizona aprovou uma lei permitindo aos médicos indicar a cannabis como tratamento terapêutico. Regulamentação “Se trata mais de uma tolerância do que indicação terapêutica, já que não existe regulamentação específica”, observa o professor de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira. Segundo ele, para o Food Drug Administration (FDA), uma espécie de Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) dos Estados Unidos, liberar uma nova droga são necessários vários testes. “O que não é o caso”, adverte. Os países signatários das convenções das Organização das Nações Unidas (ONU) também podem criar agências nacionais de pesquisas sobre os efeitos de drogas. Laranjeira é contra o uso terapêutico da droga na forma de cigarros. Ele diz não ter evidência que o delta9-tetrahidrocanabinol (THC) tenha ação benéfica para a saúde. “É mais crença. É usada sem grande evidência científica. Desregula uma série de sistemas cerebrais”, conta. No caso de esclerose múltipla, Laranjeira explica que a maconha não se revelou eficiente. Acreditava-se que o efeito relaxante da maconha ajudasse a diminuir a rigidez da musculatura tensa de quem é acometido pela doença. O teste final em humanos, segundo o médico, não obteve sucesso. “O British Medical Journal trouxe este ano a informação de que como anti-espático a maconha não se revelou eficiente”, justifica. Por muitos anos acreditou-se que o uso da droga não desenvolvia tolerância nem levava à síndrome de dependência. Verificou-se mais tarde que, em alguns casos, existia a tolerância, mas seus efeitos eram fracos. A partir da década de 70, evidências de crescimento da tolerância e várias efeitos da droga no organismo foram detectados em diversos estudos com animais e, posteriormente, em humanos. “Não existe pesquisa clínica com THC em humanos no Brasil, só com ratinho”, diz Laranjeira.(HB)

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